Barcelona,
Espanha, 1635
Um casamento o espera.
Esse único pensamento continuava a
assolar e a perseguir a mente de Estevam Studel, era o dia mais feliz da sua
vida que ele pudera se recordar em anos. Estava prestes a desposar a única
coisa que ele mais amou em sua vida, e isso o inquietava. O tão esperado “para
sempre” estava por vir, estava se anunciando timidamente, ia ser agora! Ele
lutava constantemente para não deixar que o medo e o nervosismo tomasse conta
de seu corpo e assumisse o comando por inteiro. Olhara para o lado sutilmente
para afastar esses pensamentos ruins da sua cabeça e se acalmava com a presença
dos seus amigos. Membros da Ordem do Corvo, juntos ao lado de Estevam Studel nesse
momento tão importante como irmãos de sangue, todos muito bem vestidos com
trajes de gala, com espadas embainhadas na cintura que refletia e tilintava a
luz do ambiente, coberturas longas e escuras envolviam cada um daqueles homens
misteriosos.
A catedral mais linda que havia na
cidade de Barcelona agora se alegrava, suas torres imponentes de arquitetura
gótica e triste se enfeitavam e sorriam a espera de Marrie. Nunca uma espera
fora tão prazerosa e tão festivamente comemorada como essa. Todos da cidade se
amontoavam aos cotovelos em cada corredor e entrada, qualquer brecha de lugar
possível para ver a chegada de Marrie Contatie Pos-cass Foivoiag.
Ela era, sem nenhuma sombra de duvida, a mais
formosa e delicada dentre todas as mulheres, de beleza quase angelical
encantava e transformava o mundo por onde passava, despertava o amor em qualquer
lugar que ia, porém todo esse amor era do seu amado e único homem. A pele mais
branca e macia, os cabelos mais negros e longos, ela mais parecia uma noite de
inverno do que uma mulher, porém no seu olhar tímido havia o verão. E foi nessa
eterna terra do verão que Studel, dia após dia em suas orações antes de dormir
desejou passar a eternidade.
Martin Valverde era o melhor amigo de
Estevam a anos e assumiu esse posto antes mesmo da adolescência. Ele era sério,
um olhar sempre cansado, de poucas palavras e de ar pensativo, muita das vezes
apenas escutava pacientemente o amigo falar empolgado a respeito de um
determinado assunto e apenas ria. Mas quando abria a boca para expressar a sua
opinião a respeito de algo quase sempre jorravam palavras de sabedoria e bons
conselhos. Estevam Studel nunca tomou uma atitude sequer na sua vida sem antes
consultar a opinião do seu fiel amigo. Mesmo de natureza triste e sempre
distante, em todos esses anos Martin Valverde nunca o abandonou, sempre esteve
ao seu lado, em todos os momentos.
Ao lado direito de Estevam Studel
estava seu melhor amigo na posição que já era de costume. Martin Valverde
inclinara a cabeça quase imperceptivelmente e lançara um olhar desconfiado,
mediano e em silêncio para a multidão que ali estava. Todos eufóricos como cães
raivosos, olhares atravessados cruzavam a catedral como projeteis de flechas
inflamadas e piche, espuma branca cripitantes escorriam pela boca dos mais
abastados e invejosos da sociedade e caia sobre os ombros de Estevam que estava
feliz demais para notar. Mas em meio à euforia e aquela comoção popular apenas
um não estava feliz, apenas um não estava sendo levado pelo calor do momento e
os olhos de Vlaverde foram arrastados e pregados como estacas firmes na figura
sinistra do zelador da família Studel. Sentado com a cabeça um pouco inclinada
para baixo, com as pernas bem juntas e com as mãos pesadamente repousantes
sobre elas, Victor se personificava em um grande hiato em meio a toda
excitação.
Martin Valverde mantivera os olhos
fixos em Victor antes de voltar a fecha-los novamente, sua respiração assumia
agora um som de mau agouro, algo estava errado, Victor nunca estivera tão
obscuro e energeticamente instável, alguma coisa estava muito fora do lugar.
-Chegou
a hora- Disse o velho padre com a voz dolorida
e fraca, mas com clareza.
Do nada, as portas rústicas da igreja
eram abertas lentamente riscando ainda mais o chão da catedral. Lá estava ela.
Os anjos anunciavam ao som de liras a sua chegada, nunca estivera tão linda em
toda a sua vida. Os passos lentos e delicados de Marrie trazia com ela
uma beleza dessas de provocar uma fome rara, uma avidez por mais presença e
junto ao corpo de Estevam essa atração poética conjugava-se sem querer consumar,
um querer estar junto que nunca cessa de fato.
Era noite lá fora, o frio cortava mais
profundo que o medo, cortava como laminas contam a carne, mas as pessoas
perseveravam firmes, tudo porque Marrie trazia o dia, trazia a alegria para a
esperança triste de Estevam, porque ela era alegre e com ela também vinha à esperança.
Cada passo dado era uma entrega
definitiva, cada passo ela conduzia mais e cada vez mais Estevam para perto da
fonte de todas as coisas, e era lá que o desejo se origina. E nada míngua com o
passar do tempo e mesmo acreditando não ter mais espaço, cresce, flui, floresce,
se imensa e esparrama clareando o que antes era escuro. Cada vez mais e mais
Estevam era consumido pela vontade de dizer do amor que tinha e da ternura
delicada que saia dos lábios de sua amada.
Ele via em nela cabos de mar, curvas no
longínquo, e vastas súbitas margens de paisagens. Estevam Studel sempre flutuava na vida, ele tinha a alma dos grandes
navegantes e olhava para o porto a sua frente, repousante ao seu lado todas as
noites quando dormia. Ver aquele porto misterioso sobre a solidão do mar e
sempre querer atracar. Do além-mar, a voz do porto tornavam-se em uma voz
absoluta sem boca, voz humana vinda de sobre, de dentro e de acima da solidão
dos mares, e ela chamava por ele, chamava por ele e cada vez mais chamava por
ele.
Martin Valverde agora largava um
sorriso de canto de boca, seus olhos agora se relaxavam levemente. Com a mão
direita dentro do bolso ele apertava na curva de sua mão suada a carta que
Marrie escrevera para Estevam antes do casamento e confiara a ele para entregar
ao seu amigo na primeira oportunidade que tivesse.
Gritos estridentes de pavor ecoavam
pela catedral.
Era Victor, parado no corredor bem no
meio da igreja e agora apontara, com as mãos bastante trêmulas, uma arma em
direção a Marrie. Instintivamente Valverde e todos os amigos de Estevam
deslizavam suas mãos para o interior de suas vestes e seguravam firmes suas
respectivas armas prevendo um futuro conflito. Martin Valverde era um homem de
hábitos estranhos e muito bem relacionado na sociedade. Ele olhara para o canto
e via o seu capacho mais próximo de braços cruzados, em pé e encostado na
parede. Era Krun, um homem corpulento, de cabelos ruivos cor de fogo, aparência
selvagem, ombros largos, um artista na arte de matar. Valverde contratou
assassinos que livrou da forca para fazer a segurança da sua família e ele
apelidara esse de “cuca vazia” devido ao seu dom de partir o crânio de homens
até o meio dos olhos.
Valverde fizera um sinal de comando com
a cabeça para Krun dando sinal verde para ele fazer o que tiver que ser feito. E
então, mais do que imediatamente ele começara a andar, deslizava
sorrateiramente como uma cobra entre as pessoas, com um olhar sempre fixo no
alvo e com o seu punhal já em mãos.
-Eu
te amo Marrie! Eu sempre te amei todo esse tempo!-Gritava
Victor em voz rouca e mente fervilhante em confusão.
Todos agora prendiam a respiração como
que se engolissem o ar. Um pânico se instalara em todos e Estevam ainda tentava
compreender o que estava acontecendo. Marrie se virava de costas para o seu
noivo que estava a certa distancia dela e de forma serena sorria para Victor
pedindo um pouco de calma.
Krun estava a cinco passos atrás de
Victor, ele tivera um momento de hesitação e lançou um olhar para Valverde
esperando por novas instruções, que inclinou a cabeça em aprovação.
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