domingo, 18 de setembro de 2016

Capítulo 1 - A espera

Barcelona, Espanha, 1635

Um casamento o espera.

Esse único pensamento continuava a assolar e a perseguir a mente de Estevam Studel, era o dia mais feliz da sua vida que ele pudera se recordar em anos. Estava prestes a desposar a única coisa que ele mais amou em sua vida, e isso o inquietava. O tão esperado “para sempre” estava por vir, estava se anunciando timidamente, ia ser agora! Ele lutava constantemente para não deixar que o medo e o nervosismo tomasse conta de seu corpo e assumisse o comando por inteiro. Olhara para o lado sutilmente para afastar esses pensamentos ruins da sua cabeça e se acalmava com a presença dos seus amigos. Membros da Ordem do Corvo, juntos ao lado de Estevam Studel nesse momento tão importante como irmãos de sangue, todos muito bem vestidos com trajes de gala, com espadas embainhadas na cintura que refletia e tilintava a luz do ambiente, coberturas longas e escuras envolviam cada um daqueles homens misteriosos.  

A catedral mais linda que havia na cidade de Barcelona agora se alegrava, suas torres imponentes de arquitetura gótica e triste se enfeitavam e sorriam a espera de Marrie. Nunca uma espera fora tão prazerosa e tão festivamente comemorada como essa. Todos da cidade se amontoavam aos cotovelos em cada corredor e entrada, qualquer brecha de lugar possível para ver a chegada de Marrie Contatie Pos-cass Foivoiag.
 Ela era, sem nenhuma sombra de duvida, a mais formosa e delicada dentre todas as mulheres, de beleza quase angelical encantava e transformava o mundo por onde passava, despertava o amor em qualquer lugar que ia, porém todo esse amor era do seu amado e único homem. A pele mais branca e macia, os cabelos mais negros e longos, ela mais parecia uma noite de inverno do que uma mulher, porém no seu olhar tímido havia o verão. E foi nessa eterna terra do verão que Studel, dia após dia em suas orações antes de dormir desejou passar a eternidade.

Martin Valverde era o melhor amigo de Estevam a anos e assumiu esse posto antes mesmo da adolescência. Ele era sério, um olhar sempre cansado, de poucas palavras e de ar pensativo, muita das vezes apenas escutava pacientemente o amigo falar empolgado a respeito de um determinado assunto e apenas ria. Mas quando abria a boca para expressar a sua opinião a respeito de algo quase sempre jorravam palavras de sabedoria e bons conselhos. Estevam Studel nunca tomou uma atitude sequer na sua vida sem antes consultar a opinião do seu fiel amigo. Mesmo de natureza triste e sempre distante, em todos esses anos Martin Valverde nunca o abandonou, sempre esteve ao seu lado, em todos os momentos.
Ao lado direito de Estevam Studel estava seu melhor amigo na posição que já era de costume. Martin Valverde inclinara a cabeça quase imperceptivelmente e lançara um olhar desconfiado, mediano e em silêncio para a multidão que ali estava. Todos eufóricos como cães raivosos, olhares atravessados cruzavam a catedral como projeteis de flechas inflamadas e piche, espuma branca cripitantes escorriam pela boca dos mais abastados e invejosos da sociedade e caia sobre os ombros de Estevam que estava feliz demais para notar. Mas em meio à euforia e aquela comoção popular apenas um não estava feliz, apenas um não estava sendo levado pelo calor do momento e os olhos de Vlaverde foram arrastados e pregados como estacas firmes na figura sinistra do zelador da família Studel. Sentado com a cabeça um pouco inclinada para baixo, com as pernas bem juntas e com as mãos pesadamente repousantes sobre elas, Victor se personificava em um grande hiato em meio a toda excitação.
Martin Valverde mantivera os olhos fixos em Victor antes de voltar a fecha-los novamente, sua respiração assumia agora um som de mau agouro, algo estava errado, Victor nunca estivera tão obscuro e energeticamente instável, alguma coisa estava muito fora do lugar.
                -Chegou a hora- Disse o velho padre com a voz dolorida e fraca, mas com clareza.
Do nada, as portas rústicas da igreja eram abertas lentamente riscando ainda mais o chão da catedral. Lá estava ela. Os anjos anunciavam ao som de liras a sua chegada, nunca estivera tão linda em toda a sua vida. ­­­­­­Os passos lentos e delicados de Marrie trazia com ela uma beleza dessas de provocar uma fome rara, uma avidez por mais presença e junto ao corpo de Estevam essa atração poética conjugava-se sem querer consumar, um querer estar junto que nunca cessa de fato.
Era noite lá fora, o frio cortava mais profundo que o medo, cortava como laminas contam a carne, mas as pessoas perseveravam firmes, tudo porque Marrie trazia o dia, trazia a alegria para a esperança triste de Estevam, porque ela era alegre e com ela também vinha à esperança.
Cada passo dado era uma entrega definitiva, cada passo ela conduzia mais e cada vez mais Estevam para perto da fonte de todas as coisas, e era lá que o desejo se origina. E nada míngua com o passar do tempo e mesmo acreditando não ter mais espaço, cresce, flui, floresce, se imensa e esparrama clareando o que antes era escuro. Cada vez mais e mais Estevam era consumido pela vontade de dizer do amor que tinha e da ternura delicada que saia dos lábios de sua amada.
Ele via em nela cabos de mar, curvas no longínquo, e vastas súbitas margens de paisagens. Estevam Studel sempre  flutuava na vida, ele tinha a alma dos grandes navegantes e olhava para o porto a sua frente, repousante ao seu lado todas as noites quando dormia. Ver aquele porto misterioso sobre a solidão do mar e sempre querer atracar. Do além-mar, a voz do porto tornavam-se em uma voz absoluta sem boca, voz humana vinda de sobre, de dentro e de acima da solidão dos mares, e ela chamava por ele, chamava por ele e cada vez mais chamava por ele.
Martin Valverde agora largava um sorriso de canto de boca, seus olhos agora se relaxavam levemente. Com a mão direita dentro do bolso ele apertava na curva de sua mão suada a carta que Marrie escrevera para Estevam antes do casamento e confiara a ele para entregar ao seu amigo na primeira oportunidade que tivesse.

Gritos estridentes de pavor ecoavam pela catedral. 

Era Victor, parado no corredor bem no meio da igreja e agora apontara, com as mãos bastante trêmulas, uma arma em direção a Marrie. Instintivamente Valverde e todos os amigos de Estevam deslizavam suas mãos para o interior de suas vestes e seguravam firmes suas respectivas armas prevendo um futuro conflito. Martin Valverde era um homem de hábitos estranhos e muito bem relacionado na sociedade. Ele olhara para o canto e via o seu capacho mais próximo de braços cruzados, em pé e encostado na parede. Era Krun, um homem corpulento, de cabelos ruivos cor de fogo, aparência selvagem, ombros largos, um artista na arte de matar. Valverde contratou assassinos que livrou da forca para fazer a segurança da sua família e ele apelidara esse de “cuca vazia” devido ao seu dom de partir o crânio de homens até o meio dos olhos.
Valverde fizera um sinal de comando com a cabeça para Krun dando sinal verde para ele fazer o que tiver que ser feito. E então, mais do que imediatamente ele começara a andar, deslizava sorrateiramente como uma cobra entre as pessoas, com um olhar sempre fixo no alvo e com o seu punhal já em mãos.
-Eu te amo Marrie! Eu sempre te amei todo esse tempo!-Gritava Victor em voz rouca e mente fervilhante em confusão.
Todos agora prendiam a respiração como que se engolissem o ar. Um pânico se instalara em todos e Estevam ainda tentava compreender o que estava acontecendo. Marrie se virava de costas para o seu noivo que estava a certa distancia dela e de forma serena sorria para Victor pedindo um pouco de calma.   
Krun estava a cinco passos atrás de Victor, ele tivera um momento de hesitação e lançou um olhar para Valverde esperando por novas instruções, que inclinou a cabeça em aprovação.





Nenhum comentário:

Postar um comentário