domingo, 9 de julho de 2017

Mandrágora: Uma abordagem da magia ao seu uso farmacológico.


A Mandragora é uma planta da família das Solanáceas, cuja principal característica é a presença de uma raiz bifurcada que lembra a figura humana, motivando inúmeras lendas e superstições. Faz parte do folclore de algumas regiões onde é mencionado seu poder de fecundidade, de dar riquezas e sorte no amor.
    Existem muitas espécies de Solanáceas de interesse homeopático: Datura stramonium, Hyosciamus niger, Atropa belladonna, Solanum dulcamara, Capsicum annum e Nicotiana tabacum.
Algumas Solanáceas são comestíveis como a batata, a berinjela, o tomate, a pimenta e o pimentão.
Outras tem em comum a presença de alcaloides (hiosciamina, escopolamina e atropina) que são tóxicos por bloquear o sistema nervoso parassimpático, podendo levar a sintomas de envenenamento, que serão abordados oportunamente.
Esses alcaloides tem atividades estimulantes e alucinógenas, o que atrai o interesse de jovens adultos para o uso dessas espécies na preparação de chás entorpecentes.
A toxicidade provém da ação anticolinérgica dos alcaloides que inibem a acetilcolina em efetores autônomos e na musculatura lisa causando vários sintomas, tais como, broncodilatação, inibição das secreções salivares, brônquicas e sudoríparas, dilatação da pupila e bloqueio dos efeitos vagais sobre o coração, levando a um aumento da frequência cardíaca.
A Mandragora é uma erva perene de até 30 cm, com talos curtos e uma raiz tuberosa, grossa, semelhante ao nabo e que frequentemente pode apresentar uma forma que lembra a do corpo humano.
É encontrada em prados úmidos, às margens dos campos e dos rios, na Espanha, em Portugal, na Itália, na Grécia, no Oriente médio e no Himalaia.

Uso da planta

            A Mandragora tem sido usada desde a Antiguidade, existindo relatos que datam há cerca de 1.500 a.C., mas foi durante a Idade Média que alcançou maior aceitação. Existem diversos usos relatados:

Afrodisíaco - sua raiz foi usada para filtros amorosos (aqueles que a ingerissem juntos, permaneceriam apaixonados eternamente) e para combater a esterilidade. Na Bíblia é citada em Gênesis capítulo 30, versículos 14-15-16, onde Raquel disputa com sua irmã Lia, as Mandragoras encontradas por Rubens. Nessa passagem Raquel a utilizou para combater sua esterilidade.

Psicotrópicos - graças aos seus alcaloides a planta foi usada como anestésico e soporífico. Nas tumbas faraônicas, como a de Ramsés III, aparece representado o fruto da Mandragora e o do Opium. Na Palestina preparavam um forte anestésico amargo para crucificados, conhecido como morion.
                                
Venenos - Lucrécia Borgia utilizava a raiz de Mandragora pulverizada e mesclada com vinho para envenenar seus oponentes. Os sintomas do envenenamento consistem em transtornos gástricos, debilidade, abatimento, perda da sensibilidade, podendo culminar em coma e morte.


Histórias, lendas e a magia contida na Mandragora

            Na história da Mandragora houve diversas citações envolvendo desde seu lado de mistério e magia, até seus usos medicinais.Pitágoras indicava que a Mandragora era usada nos cultos de muitos povos como erva mágica, devido ao formato humano da raiz.Algumas lendas devem ser relatadas para que se possa ter uma ideia do que esta planta representava.
            Para sua colheita havia um sério ritual, descrevia-se com uma espada três círculos ao seu redor antes de arrancá-la, devendo-se estar olhando para o poente. Outros desenterravam ao redor da raiz e então a amarravam a um cão que, ao atender ao chamado para sair do local, morria a seguir como vítima propiciatória. Para outros só era possível arrancá-la se antes fosse rodeada com urina de mulher ou sangue de menstruação. Relata-se que a raiz da Mandragora, ao ser desenterrada sem um ritual preparatório, gritava e gemia de tal forma que colocava louco ou matava quem a arrancasse.  

      
            Também acreditava-se que a Mandragora crescia junto às forcas e que seu poder afrodisíaco vinha daí, pois o enforcado ejaculava na terra ao cair pendurado, e nesse local nasciam as plantas.
            Era chamada a raiz da loucura, usada pela bruxa Circe, que transformava homens em animais pela sua magia.  
Na mitologia grega estava relacionada a Hécate, a deusa da magia, da sabedoria, da intuição, e ligada ao arquétipo da parteira (que ajuda no momento do nascimento e também no da morte).
            Na Idade Média a Mandragora era conhecida com alraum (que significa raiz que tem figura humana), sendo considerada um talismã mágico que trazia sorte e bens terrenos.
            No século XVI queimava-se a Mandragora e guardava-se as cinzas envoltas em lenços de linho ou seda, na crença de que seu portador jamais seria infeliz.
            Como remédio foi usada desde a Antiguidade como antidepressivo, sedativo e anestésico em casos de cirurgias. Paracelso conhecia-a como efetiva para calculose renal e sedativo para epilepsia, coreia e tosse. Em outro relato era utilizada para inflamações dos olhos, para adiantar a menstruação e provocar trabalho de parto.
            Dioscórides explicava que a Mandragora colocada no liquor faz melhorar a melancolia, mas dose exagerada levava a morte.
            Na literatura houve citação da lenda em Romeu e Julieta de Shakespeare, na cena em que Julieta irá beber um líquido que a fará parecer como morta, ela adverte para soar uma trombeta antes de retirar a Mandragora do solo, para não ouvir seus brados e enlouquecer.
            Maquiavel escreveu a comédia A Mandragora que foi uma das primeiras do teatro moderno, onde mostra o uso da planta para tornar fértil as mulheres estéreis.
Era utilizada pelos bruxos como unguento antes dos feitiços e também como preparados que produziam terríveis alucinações. As raízes eram talhadas para aumentar sua semelhança com a figura humana, sendo então usadas como amuletos para atrair boa sorte ou para exorcizar demônios.
A raiz é a parte mais curiosa dessa planta, pois cresce como uma batata, muitas vezes bifurcada, ganhando traços semelhantes ao de um pequeno homem. Por conta do curioso formato humano é que a fama "mágica" das mandrágoras se difundiu rapidamente. Pitágoras se referiu a mandrágora como "antropomorfa". O agrônomo romano Lúcio Columela a definiu como "semi-homem". Na ilustração abaixo, do antigo botânico e autor greco-romano Pedanio Dioscórides Anazarbel podemos ver a mandrágora representada com forma humana.
Na Alemanha era costume entre os camponesses talhar e cuidar muito bem das raízes de mandrágora, par usá-las em magias e advinhações. Existia uma crença de que as raízes talhadas com formas humanas responderiam aos questionamentos de seus donos, como se a planta ganhasse vida própria.
Até hoje a mandrágora é usada por magistas, principalmente em magias de proteção, aumento do poder pessoal, coragem e amor. É um poderoso concentrador fluídico e para carregá-la com seu poder pessoal, você pode deixá-la durante três dias embaixo da sua cama, no período da lua cheia. Por ser uma planta européia, é bem complicado conseguir mandrágora no Brasil.


Segundo Raven Grimassi no seu livro “Old World Witchcraft” as flores da Mandrágora simbolizam a alma iluminada que emerge de seu mundo material de experiências. O fruto da Mandrágora representa a alquimia espiritual, o fruto que é produzido através da realização de cada encarnação. As folhas significam as influências que se espalham para fora no mundo através das ações da personalidade que é usado pela alma. Estas são as chaves a serem observadas e temos de colocar para fora e elaborar suas intenções mágicas quando se usa partes da Mandrágora. Na antiga tradição da Mandrágora, há um espírito feminino conhecido como Mandragoritis da Mandrágora. Este espírito supervisiona a planta em si e é chamado quando se trabalha com mandrágoras. Mandragoritis não permanecem no interior da Mandrágora mas em vez controla os espíritos que fazem (e neste sentido pode ser pensada como sua rainha).    Na tradição as plantas possuem uma natureza de gênero. O "mandrake branca" (Mandragora officinarum) é o macho, e o "mandrake negro" (Mandragora autumnalis) é a planta fêmea. Alguns profissionais preferem chamar a fêmea Mandrágora e o macho Mandragoro. Mas também pode ser útil para identificar-se com o sexo de cada Mandrágora usando a nomes masculinos e femininos. A obtenção de uma raiz de mandrágora pode ser muito desafiador. Em algumas lojas de bruxa você pode ser capaz de encontrar raízes de mandrágora secas (às vezes misturadas com folhas). Neste caso, é provável que você não vá saber o sexo da planta.
A mandrágora no cinema no filme "Harry Potter e a Câmara Secreta" as mandrágoras da estufa de herbologia dão um escândalo quando são retiradas do solo pelos alunos de Hogwarts, mas o grito das mandrágoras tem uma explicação folclórica.  Shakespeare, na sua clássica obra "Romeu e Julieta", fez a seguinte referência a mandrágora: "Gritavam como mandrágoras arrancadas da terra que levavam à loucura os mortais que as ouvissem".    
Segundo uma lenda medieval a raiz da mandrágora era como um pequeno homem dormindo dentro da terra e, ao ser retirado de seu descanso, dava um grito tão agudo que era capaz de deixar surdo, enlouquecer e até mesmo levar alguns homens a morte. Com base nessa crença, foram sendo criadas várias técnicas para se retirar a mandrágora do solo sem sofrer com o grito da planta.
Alguns tapavam os ouvidos, afofavam a terra ao redor da mandrágora, amarravam a planta ao pescoço de um cachorro e faziam com que o mesmo corresse, arrancando a raiz do solo.


Temos uma cena do fime "Labirinto do Fauno" onde a mandrágora é posta mais uma vez.

Utilização Homeopática

            Apesar de conhecida desde remotos tempos, houve uma lastimável demora para que se experimentasse a Mandragora homeopaticamente.
            Somente em 1920 é que Allen publicou na Enciclopedia de Matéria Médica Pura as primeiras experimentações da Mandragora, realizadas em 1834 (Dr. Dufresne) e 1874 (Dr. Richardson).
            Em 1951 foi ricamente experimentada por Julius Mezger, que ampliou os conhecimentos homeopáticos a respeito desta planta, tendo experimentado em 30 médicos.
            Raedson fez outra experimentação em 1963/64 em 15 pessoas observando em todas elas o aparecimento de fortes dores articulares, e em 12 vezes dores de cabeça, depressão e dificuldade para concentrar-se.
            Em 1980 Edward Whitmont fez experimentação a partir das folhas sem observar diferença em relação às outras experimentações que usaram a raiz.

Sintomas Mentais

            Do ponto de vista mental, a Mandragora causa peculiar paradoxo de sonolência e entorpecimento junto com intensa excitação, ocorrendo uma irritabilidade apática. Há tendência a depressão, com apatia ou irritação, podendo bruscamente alternar com euforia e alegria. Há estados de deliro e de confusão mental, hipersensibilidade aos ruídos, sentimento de insegurança e ansiedade, falta de concentração e de memória, aversão ao trabalho, mudança de humor, acessos de choro alternado com euforia ou agitação exagerada. São indivíduos hipersensíveis, histéricos, com tendência a estados hipomaníacos ou maníaco-depressivos, acompanhado por sintomas psicossomáticos.
            Os indivíduos Mandragora se comportam como se estivessem sob domínio da magia da planta, ora estão entorpecidos e anestesiados, ficando indiferentes ao prazer e ao trabalho, ora estão excitados, eufóricos, com visões terríveis e fantasmagóricas, agindo como que enlouquecidos.



Do diagnostico a uma abordagem sobre o delírio:

Os sintomas em comum são devidos a inibição do parassimpático, obsevando-se congestão cerebral (mais ativa em Belladonna), cefaléia congestiva e pulsátil, midríase, mucosas secas, taquicardia, hipertermia, obstipação e alternância de excitação e depressão.

•    Mandragora - o delírio é semelhante aquele dos que estão enfeitiçados pela planta. Há loquacidade, com fala sem sentido e incompreensível, agitação psicomotora, inquietude e incapacidade de permanecer parado, embora sem conseguir andar por sentir dormência de membros inferiores e sensação de que está com as pernas paralisadas (lembrando o estado do indivíduo embriagado), sendo que a violência encontrada nas outras solanáceas não compõe sua síndrome mínima.
•    Hyoscyamus - há um delírio maníaco, com movimentos carfológicos: fala com loquacidade de assuntos relacionados às suas atividades habituais (delírio ocupado) e também fala temas religiosos, mudando rapidamente de um tema a outro e tomando atitudes eróticas (o indivíduo tira suas roupas e expõe seus genitais). Este delírio agitado alterna com delírio tranqüilo onde balbucia ou murmura palavras desconexas, predominando este quadro de debilidade e fraqueza, que vai aumentando até cair num estado de estupor, comportando-se como morto.
•    Stramonium - durante o delírio os olhos ficam muito abertos, há agitação, violência e ausência de dor. Fala línguas estranhas, grita, chora ou ri, dança com loquacidade extraordinária, crê estar vendo espíritos e conversa com eles, comporta-se como se estivesse possuído. Ocorre delírio erótico (arranca as roupas) e delírio religioso à noite (canta louvores com desespero por sua salvação).
•    Belladonna - o delírio é muito violento, furioso, bate a cabeça na parede e arranca o cabelo; loquacidade, mudando de um assunto para o outro, sem que haja conexão entre eles e sem concluí-los. Fala sobre temas religiosos, delira sobre cachorros, ladra, deseja morder, alucina que vê gatos, que vê cachorros, que é um cachorro ou outro animal. Pode atacar com violência, com desejo de matar e colocar fogo em tudo.

Ainda cabe lembrar Canabis indica pelo lado alucinógeno (entretanto a agitação dos indivíduos Mandragora é mais marcante), e também Opium onde a alienação, a parca atividade, a hipotonia e hiposensibilidade fazem a diferença, apesar da característica do aspecto narcotizado que se encontra nos dois pacientes.

Com o estudo da Mandragora tem-se à mão uma nova prescrição para aqueles pacientes com artrose, gota e ciática, que já foram tratados com inúmeros medicamentos e sem grande melhora, podendo obter alívio com o uso organicista deste medicamento.
Por outro lado, abre um novo horizonte para aqueles pacientes que vem usando Belladonna ou Hyoscyamus ou Stramonium e que não estão progredindo, apesar do medicamento ter sido bem escolhido. Talvez sejam Mandragora!
Pela experiência clínica o que se sabe é que dos quatro medicamentos a Mandragora apresenta sintomas mais atenuados e com evolução mais crônica dos mesmos.  

REFERÊNCIAS

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Dra Lia Rachel B. Romano é médica clínica geral, Mestre em Homeopatia
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