segunda-feira, 17 de julho de 2017

MANDRÁGORA: A PLANTA DAS BRUXA

O uso de plantas para a alimentação, vestuário, e magia acompanha o ser humano desde a pré-História. Algumas dessas plantas como, por exemplo, o linho foi utilizado como óleo e suas sementes eram essenciais para o alimento; de sua fibra extraia-se um tecido resistente e macio e com suas folhas e óleos eram elaborados poderosos remédios e feitiços. Mas não somente o linho, o alho-poró, a arruda, o alecrim entre outras inúmeras plantas estavam presentes na elaboração de poções mágicas. No entanto, algumas plantas conseguiram maior notoriedade do que outras ocupando desde a Antiguidade até hoje um lugar de destaque quando o assunto em questão é “plantas mágicas”. Essas plantas que faziam parte dos unguentos que as bruxas utilizavam para besuntarem seus corpos e, assim poderem voar para o sabbath, até hoje são utilizadas como remédios homeopáticos e fitoterápicos e também alopáticos, já que alguns alcaloides são empregados em anestésicos de comprovada eficácia e, em contrapartida são também poderosos e letais venenos. Atropa beladona, Atropa mandrágora, Hyoscyamus niger e Nigella sativa formavam realmente um “quarteto fantástico” quando utilizados para a elaboração de filtros amorosos, poções para aumento ou perda da virilidade,proporcionar voos noturnos mágicos, aliviar e proporcionar dores, trazer à vida e condenar à morte. Todas estas plantas começaram a ser utilizadas na Dinamarca (por influência da Alemanha) a partir do século XIV, sendo desde então conhecidas em toda a Escandinávia.

Figura 1: Mandrágora, Manuscrito Tacuinum Sanitas, séc. XV; Figura 2: Mandrágora eNigella, manuscrito Harley 3736, f. 59r, séc. XV

A primeira planta, conhecida popularmente como beladona (Atropa beladona), “bela mulher” utilizada pelas mulheres desde a Baixa Idade Média para dilatar as pupilas ao pingarem o suco das bagas negras nos olhos e conferirem a esses um brilho especial e, assim realçarem a sua beleza era também muito usada como analgésico e antitérmico potente e também para envenenamentos já que uma alta dosagem conduziria à morte. Até hoje utilizase a beladona como um dos medicamentos homeopáticos mais populares. A segunda planta, considerada a erva das bruxas por excelência é a mandrágora (Atropa mandrágora). Sua imagem é encontrada em vários manuscritos medievais e renascentistas e sempre é mencionada como um dos ingredientes principais para o preparo de todo tipo de poção ou feitiço. A presença da mandrágora é registrada na literatura desde a Antiguidade, em poemas medievais, na Bíblia, nas tragédias shakespearianas e no cinema. Na série de filmes de Harry Potter há uma cena onde a professora vai ensinar os alunos a arrancarem a raiz da mandrágora. A cena é divertida e representa o mito medieval sobre a planta: a mandrágora grita ao ser arrancada da terra e pode levar quem ouve esses gritos à loucura. A sua raiz possui forma humana e cresce abaixo dos patíbulos onde cairia o sêmen dos enforcados e a alma destes passaria para a planta – que segundo a tradição medieval deveria ser amarrada a planta na cauda de um cão e em seguida dar pancadas na cabeça deste (figuras 1, 2, 3 e 4). Quando o animal finalmente corria agonizante, a raiz era arrancada e a alma do enforcado libertava-se. Acreditava-se que se um casal dividisse a raiz da mandrágora e cada um ingerisse um pedaço dela jamais se separariam. Essa cena está imortalizada no filme Conquista Sangrenta, de 1985 dirigido por Paul Verhoeven e estrelado por Rutger Hauer. A raiz da mandrágora por ter a forma semelhante ao ser humano foi alvo de várias crenças, inclusive de que ela seria o ancestral vegetal do homem e isso só fez aumentar a crença no seu poder mágico. Com potentes alcaloides que em altas doses causam fortes dores, tonturas, alucinações, convulsões e morte a raiz da mandrágora era utilizada principalmente para propiciar alucinações. Quando empregada nos unguentos e estes espalhados nas mucosas nasais, vaginais e anais entravam rapidamente na corrente sanguínea produzindo muitas vezes efeitos letais. Atualmente os alcaloides produzidos pela mandrágora utilizados pela indústria farmacêutica na fabricação de anestésicosnestão sendo substituídos por alcaloides sintéticos, pois há ainda um comercio ilegal dessa planta e ainda hoje são atribuídas mortes à ela devido ao seu usonmágico. Como as dosagens mesmo pequenas podem ser fatais, pois muitas pessoas apresentam reações alérgicas, sua utilização vem sendo combatida. O meimendro (Hyoscyamus Níger) que atualmente é utilizado como medicamento homeopático e fitoterápico era um dos componentes do unguento das bruxas, para a elaboração de filtros amorosos e também era um potente veneno proporcionando alucinações e dores atrozes antes da morte. E, por último o cominho negro (Nigella sativa). Parte integrante do unguento era também muito utilizado para as poções amorosas e para os venenos (figura 2). Essa planta era muito utilizada como condimento e, assim como as sementes da papoula conferiam sabor especial aos pratos e são utilizados até hoje na culinária, mas combinados com outros alcaloides potencializavam seus efeitos devastadores. Essas quatro plantas eram utilizadas in natura, secas, reduzidas a pó, podia-se extrair a sua tintura deixando partes da planta (raízes, folhas, flores e frutos) mergulhados por um determinado tempo em vinho, e, depois administrava-se esse liquido que tanto podia curar como matar na comida, em outros filtros ou poções ou misturados em mais vinho em forma de chás, unguentos e beberagens. Todas essas formas de se administrar as plantas eram utilizadas na sua maioria por mulheres que detinham esses conhecimentos não por pertencerem a alguma espécie de seita ancestral que lhes conferiam poderes sobrenaturais, mas por esse saber estar intimamente ligado à rotina doméstica na qual estavam inseridas. Os afazeres culinários as obrigavam a conhecer quais as plantas deveriam ser empregadas para conservar os diferentes tipos de carnes, quais seriam as mais apropriadas para dar um gosto melhor à comida e quais eram as melhores para “limpar” o organismo de meses comendo apenas carnes salgadas e pães duros durante os pesados Invernos. A cozinha era um local de preparo de alimentos e, consequentemente era também o local onde se preparavam os remédios: uma sopa preparada com urtiga que colhida sem cuidado causava irritações graves na pele, alho-poró e cominho negro eram um remédio eficaz e revigorante para aqueles que sofreram ferimentos ou tiveram febres causadas pela infecção e algum ferimento. Alimento e remédio combinavam-se em um saber transmitido oralmente por mulheres no ambiente privado de suas cozinhas. Muitas vezes a esse tipo de alimento adicionava-se algumas gotas de tintura de beladona ou mesmo meimendro para que aliviasse as dores e ajudasse na cicatrização do ferimento impedindo que a infecção se alastrasse e conduzisse o ferido à morte. O conhecimento sobre o emprego dessas plantas mágicas tem uma base oral e ainda hoje no mundo todo é possível encontrar pessoas, na sua maioria mulheres que detém algum tipo de conhecimento sobre a utilização dessas e de muitas outras plantas. Hoje quando inicia-se um estudo mais profundo sobre a utilização dessas plantas mágicas, principalmente no que diz respeito à mandrágora, nos deparamos com inúmeros estudos sobre o seu uso mágico e das propriedades que essa plantas possui mas pouco são aqueles que advertem sobre a sua toxidade e os malefícios que podem causar à saúde. O comércio indevido e, mesmo as falsificações (há comerciantes que vendem raiz de gengibre delicadamente esculpida com a forma de um corpo humano como mandrágora!) favorecem as intoxicações, envenenamentos e a morte em nome de um saber mágico já totalmente modificado e deturpado.


Figura 3: Mandrágora, manuscrito Harley MS 1585, séc. XV; Figura 4: Mandrágora,manuscrito MS 18, f. 49v, 1400.

O conhecimento sobre botânica Antiga e Medieval é um campo de análise extremamente interessante e ainda pouco explorado principalmente no Brasil. Recentemente o estudo dessas plantas e seu uso para fins mágicos têm sido o objeto de estudos de químicos e bioquímicos que buscam nesse uso antigo e mágico dessas plantas possíveis soluções para males contemporâneos, pois o uso médico de muitos dos princípios ativos retirados da mandrágora, meimendro, belladona e cominho negro entre tantas outras, ainda são utilizados hoje com sucesso. O conhecimento do uso dessas plantas principalmente no que diz respeito ao seu uso mágico, foi representado de maneira singular em muitas iluminuras medievais e, o seu uso para os famosos voos pode ser observado nas pinturas na catedral de Schleswig-Holstein de onde podemos observar supostamente Frigg voando nua em ramos de meimendro e seu cabelo lembra a pétala das flores do cominho negro (c. 1200). Todas essas representações nos levam a refletir sobre a importância dessas plantas no cotidiano de populações inteiras que encontravam nas pétalas, folhas, raízes, pós, chás e tinturas o conforto para todos os seus males e temores: aliviam as dores do corpo e da alma, faziam nascer o amor e a paixão nos corações mais endurecidos, traziam a cura para muitos ferimentos graves e evitavam a gangrena, aliviam as dores de dar à luz, conduziam ao sabbath e, principalmente varriam do caminho com as piores dores todos aqueles que eram inconvenientes. O conhecimento mágico e terapêutico do uso dessas plantas mágicas que discorremos nestas linhas demonstra que durante a Idade Média o conhecimento botânico foi muito presente no cotidiano frequentando a cozinha e as hortas de camponeses bem como os jardins de mosteiros e palácios. A nós, resta-nos o deleite de observar as iluminuras, os vitrais e nos deliciar com as descrições dos devaneios amores que a essência dessas plantas oferecia.

Autora: Luciana de Campos (Doutoranda em Letras pela UFPB/integrante do NEVE)


Referências:

SALLMANN, Jean-Michel. As bruxas: noivas de satã. São Paulo: Objetiva, 2002.
GUAITA, Stanislas de. Mandrágora. O templo de Satã, vol. II. São Paulo: Editora Três, 1984, pp. 34-35.
LEVI, Eliphas. Dogma e ritual da Alta Magia. São Paulo: Pensamento, 1993.
MARTINEZ, Sabrina et al. Alucinógenos naturais: um voo da Europa Medieval
ao Brasil. Química Nova 32 (9), 2009, pp. 2501-2507.
ROBERTSON, David. Magical medicine in Viking Scandinavia. Medical History
20(3), 1976, pp. 317-322

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